Ode a Odivelas

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Joaquim Sustelo-2006

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Vista de fundo: Cruzeiro e Paços do Concelho__Foto do autor

Formatação_Cecília Rodrigues

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NOTA INTRODUTÓRIA

Ao terminar os estudos que me eram possíveis fazer no Algarve, concretamente em Silves e em Faro, fui prossegui-los na área de Lisboa, com os meus dezassete anos.
Como tinha familiares — uma irmã - a residir na Pontinha, foi aí que passei quatro anos, onde estudei no Instituto Comercial de Lisboa e no (então) Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, até ingressar no Serviço Militar.
Nessa fase, na Pontinha, recordo que, da zona onde fica a Igreja, já me deslumbrava olhar uma, nesse tempo vila, lá ao fundo, num vale e ocupando uma parte da encosta, e que era precisamente Odivelas.
Pouco a visitei nesses quatro anos.
Contudo, por volta de 1968, a minha (à data) namorada, mudou-se da Pontinha para Odivelas (bairro das Patameiras) ou seja, um pouco antes de eu ingressar no já referido Serviço Militar.
A partir dessa data, comecei a frequentar muito mais Odivelas, a passear pelas suas ruas, a ver os seus monumentos, a tomar contacto com a sua História ... e reforcei o meu gosto por esta zona.
Tanto assim foi que, é certo por motivos familiares, mas também por ser uma vila (depois cidade) de que sempre gostei, acabámos por casar e ficar a residir nela mesmo, pode dizer-se que, hoje, no centro actual da cidade.
Assim, conheço Odivelas há cerca de quarenta anos, embora, como habitante, seja há trinta e quatro.
Há dias fiz um trabalho idêntico a este, ao Concelho que me viu nascer (Silves). E, embora seja uma tarefa um pouco difícil, pensei fazer também a esta cidade, que me acolheu desde há todos os anos que acima referi.
Pelo que conheço pessoalmente e pelo que me informei nomeadamente através da Internet, aqui fica esta Ode a Odivelas, esperando que perdoem a ousadia do poeta que, na melhor das intenções, encontrou esta forma de homenagear esta linda cidade.
Obrigado pela vossa leitura.
Joaquim Sustelo
28.02.2006

OBRAS EDITADAS: 

Como participante (Antologias): 

O FUTURO FEITO PRESENTE        (editora Abrali, Brasil- Abril de 2005)

TERRA LUSÍADA                                            (idem, idem - Julho de 2005)

TERRA LATINA                                              (idem, idem – Julho de 2005)

A NOSSA ANTOLOGIA                         (Associação Portuguesa de Poetas)

                                                                         (Gráfica 2000 – Abril de 2005)

FLORILÉGIO DE NATAL 2005    (pela tertúlia dos escritores Rio de Prata)  

Como autor:  

NO SILÊNCIO DO TEMPO  (Palimage Editores, Viseu – Julho de 2005)

OUTONO DA VIDA               (Edição de Autor – Outubro de 2005)

UM POUCO DE SOL              (Idem – Novembro de 2005)

GRACEJANDO EM VERSO  (Idem, idem)

ODE A ODIVELAS                 (Idem – Março de 2006)

SILVES, UMA VIAGEM PELO CONCELHO (idem, idem) 

Participação em páginas de poesia NA INTERNET: 

Ar Fresco, Associação Portuguesa de Poetas,Carinho, Amizade Lusitana, Cardeal e Amigos, Ecos da Poesia, TudopelaAmizade, Carinho, Poetas Sonhadores, Néatlantis, Poemar, Site de Poesias, O Cantinho da Fatyly, Jovens Acima de 45, Cantinho de Poesia e Romance, Alegria no Viver, Alma Alentejana, Caminho de Palavras, Deusa do Amor, Sala de Poetas, etc…

 

ODE A ODIVELAS

1.


Falar desta Odivelas, meu amigo,
aquela que me acolhe há tanto ano,
deixa-me aqui tentar, ver se consigo,
fazê-lo com rigor; se não me engano...


Envolve esta tarefa sempre um perigo;
o esforço vai ser grande, mas humano.
Daí que já comece. E já prossigo
que vou ter para mangas muito pano.


Cidade muito antiga em sua história.
de muito cedo existe uma memória
de um burgo, que estes sítios, os povoa.


Aqui, por estes vales e encostas...
Um pouco mais atrás, mesmo nas costas
dessa cidade linda que é Lisboa.


2.

Mas linda também é minha Odivelas!
Ostenta também estátuas, monumentos,
tem ruas bem estreitinhas ou vielas,
cruzeiros, pelourinhos e conventos.


Pessoas que te acolhem. E com elas
adorarás falar, por uns momentos.
Tens desde essas bem simples 'té àquelas
que têm outras artes ou talentos.


Lá quando sem saberes aonde ir
te der o tal impulso de sair,
aquele que é andar só por andar,


Muda para estes sítios a vontade;
talvez leves daqui uma saudade
aquela que nos faz querer voltar.

3.

Dirige-te à cidade pelo sul
descendo pela Encosta (que é) da Luz;
e vê-a sob um céu todo ele azul
que é belo o que a imagem te produz.


Mas mesmo estando envolta em véus de tule,
as nuvens emprestando-lhe um capuz,
verás que nem há brisa que lhe anule
todo esse seu encanto, que seduz.


Perante o olhar teu que já se alegra
verás uma cidade que se integra
num espaço bem enorme que a confina;


Há uns quarenta anos, já remotos,
do alto dessa encosta guardo fotos
quando Odivelas era... pequenina.

4.


Era o Espírito Santo e a Memória
Pombais e mais algum bairro a seu lado.
Aqueles que já andam pela História
pois albergaram gentes do passado.


Cidade duma fama meritória
guarda relíquias desse predicado.
Que as há ! Na parte antiga a mais notória
decerto irá fazer o teu agrado.


Depois, uma extensão já mais recente
de bairros apinhados, tanta gente!...
Arroja, Quinta Nova, Codivel...


Bons dias, Radial, outros... Chapim...
de prédios já mais novos e que assim
circundam os antigos num anel.

5.

Mas já que te meti por estas sendas
deixa que uns dois minutos eu te tome;
pra dar-te a conhecer as duas lendas
que - dizem - à cidade dão o nome:


Deram-lhe em tempos idos como prendas
Para moer o pão, que mata a fome,
moinhos espalhados p'las fazendas
e deu-lhe a natureza, sem renome,


dois ribeirinhos... (de água, hoje pouca.)
"Ribeiro," que era "odi," o que provoca
aliada aos moinhos ou às velas?


É claro que já viste e bem depressa
e assim nessa junção é que começa
à cidade, a chamar-se, de Odivelas.
6.

A outra lenda, ao lê-la, tu sorris,
pois tem a ver com coisa de mulheres.
Que delas grande fã, o Dom Dinis,
em toda a parte tinha uns "afazeres..."


Um dia diz-lhe um aio de ar feliz:
"Conheço dessa gente uns lindos seres!"
O Rei, que tais mulheres sempre quis,
Inquere: "e ficam longe? Onde as conferes?"


Saíu então, sabendo onde é que era...
Porém tinha a Rainha à sua espera
no caminho… prevendo que ia a elas;



E ela, nessa mágoa que a aflige,
a frase que ao marido então dirige:
"ide vê-las, senhor!" - deu Odivelas.

7.


Depois desta conversa bem disposta
(as lendas que conheço sobre o tema),
recorda, estás no alto da encosta,
onde o concelho tem também a estrema.


Eu sei que do que vê a vista gosta
e dava inspiração para um poema.
Mas não é essa só, minha proposta!
E fácil é descer sem ter problema.


Sem que as horas te voem, por ligeiras,
desce essa rampa, até às Patameiras,
um bairro p'lo qual sinto... simpatia.


Foi lá... quando das fotos que falei,
que em anos já distantes namorei
aquela que me faz hoje companhia.


8.


Tinham as Patameiras poucas ruas:
a parte do terreno que vês plano.
Da chuva, a muita água, fez das suas
enchentes, se invernoso vinha o ano.


Hoje entras ali dentro, continuas
num bairro bem maior e soberano;
passam por ele sóis, chuvas e luas
e a água não lhe faz já nenhum dano.


Ao cimo, a rua larga, a avenida...
Com uma linda Igreja na subida
em frente, logo junto, o cemitério.


E no lado poente, à urbe externo,
um "Odivelas-Parque" bem moderno!
(A era é destes Centros. Caso sério.)

9.


Contíguo tens o Bairro dos Pombais,
ele também no tempo tão velhinho.
Porém sem ter motivos, esses tais,
que façam demorares no teu caminho.


Prossegue mais um pouco, um pouco mais
e hás-de atravessar um ribeirinho,
ao lado, linda casa, de ancestrais
os prédios já com ela em desalinho.


Mas vira à tua esquerda mais à frente;
tens o Espírito Santo inda presente?
Entra no Bairro (e Rua... mesmo nome).


Aí direi de modo categórico:
entraste na cidade, em centro histórico,
verás de um monumento que se assome.

10.


Exacto: um pouco à frente, em teu roteiro,
encontras um coreto e um chafariz.
Ali ao lado de um… velho mosteiro
a que foi dado o nome S. Dinis.


Direi desse coreto então primeiro
que teve como origem ou raiz
donativos do povo, em seu dinheiro,
que há cerca de cem anos lá o quis.


No centro da cidade, é essa a regra.
E bem no centro histórico se integra
no pequeno jardim por onde andas.


Ouviu longos discursos. Ou então,
quando chegava ao fim a procissão,
sentia em alternância muitas bandas.

11.

Mas não te vou falar de algum discurso
e sim desse mosteiro que é ao lado;
mandado construir após um urso
um dia a D. Dinis ter atacado.


Em A-da-Beja, El-Rei, no seu percurso
de caça, encontra um urso agigantado.
Mas crava o seu punhal, que era o recurso,
no meio do coração desse malvado.


Invocara entretanto S. Dinis
e o bispo de Tolosa, S. Luis,
para a sua defesa, ante tal perigo;


Promessa? A construção deste mosteiro.
Morria o séc'lo décimo terceiro
e assim é monumento muito antigo.

12.


De início totalmente em estilo gótico,
tem neoclássico hoje e manuelino.
Pois a reconstrução pós o caótico
terramoto, deu-lhe outro figurino.


Viveu muito momento apoteótico
já que era para nobres seu destino;
mas teve também tanto o lado erótico!
Que amor... às vezes leva ao desatino.


Foi de freiras bernardas. De Cister.
De filhas da nobreza (as de não ter
um dote que as levasse ao casamento);


não estando prometidas a um nobre
o ingresso era em mosteiro, que ele as cobre
de faltas, incluindo as de sustento.

13.

A total protecção das recolhidas
não era assunto sempre afiançado:
os próprios reis, por lá, em suas idas,
escolhiam sempre alguma ao seu agrado.


Consulta bem a História, as "investidas"
que muito ter-se-á ali passado...
Dom Dinis, Dom João Quinto, as queridas,
o amor a fazer "estragos" ou pecado.


Não quero dar-te aqui alguma aula
mas dizem que uma tal de Madre Paula
esteve de Dom João sempre nos trilhos;


Foi tudo de tal modo, vê lá tu,
que a História nos relata nu e cru:
a Madre ser a mãe dum dos seus filhos.

14.

Deixemos nossos reis, seus desvarios,
quem sabe do que tinham então míngua...
Senão inda ouvirei uns assobios
pensando tu que sou… a tal má língua.


Antes que te provoque calafrios
toda essa inconfidência agora extingo-a.
Voltemos à conversa, a outros fios,
se assim prossigo, borro a obra… "pingo-a"...


De coisas sérias, queres que te alastre?
Morreu Dona Filipa de Lencastre
lá dentro. A distinção da realeza!


E em recolhimento bem profundo
esteve a irmã de Dom João Segundo
Que foi Santa Joana - a princesa.

15.


Viveram-se momentos de epopeia
entre as suas paredes, sua gente:
ali p'la vez primeira a Cananeia
se recitou (de mestre Gil Vicente).


Padre António Vieira ali semeia
um seu sermão, decerto comovente.
Almeida Garrett também por lá passeia
narrando do mosteiro o que então sente.


Ainda à de Lencastre queres que aporte?
Foi no mosteiro, em leito, quase à morte
que abençoou, qual cura terapeuta,


os filhos que seguiram pró Restelo
unindo-os mais a ela, em maior elo,
quando no barco foram para Ceuta.

16.



Que mais te vou dizer de um monumento
que conheceu reis, príncipes, artistas,
fidalgas, freiras, em internamento,
narrado por escritores, por cronistas?


Que alberga ele uma escola no momento,
e bons ensinamenos, catequistas?
Mas o melhor será vê-lo por dentro
espalhando bem por ele as tuas vistas.


Dizer que ele acolheu sua raiz,
que o túmulo possui, de Dom Dinis,
citar tudo num pouco, aqui narrar?


Ah não! Uma visita te sugiro!
E vamos prosseguir o nosso giro
que tenho ainda mais pra te mostrar.

17.


Em centros é normal que se preveja
(repara que nos burgos é verdade)
ter algo mais de histórico, uma Igreja...
e vamos à Matriz, desta cidade.


Sumptuosa, a muitas outras faz inveja
verás o que lhe dá sumptuosidade:
douradas talhas, tudo relampeja,
'té mármore nas cores e qualidade.


Azulejos, com cenas de louvor,
vestida a mármore a capela mor,
e escadas duplas, por onde se passa...


No baptistério, e com brilhantismo,
há azulejos, cenas de baptismo,
até uma pia em forma de taça!
18.


Foi tanto de riqueza o que lhe coube
e quer em peças fixas quer em soltas,
que há sempre quem cobice, até quem roube
depois as escondendo noutras voltas.


Ali um tal Ferreira um dia sobe
talvez numa carência, ou em revoltas,
rouba umas quantas peças, leva e cobre,
ficando nuns caniços bem envoltas.


Consta que foram contas de um rosário
e do Menino, peças... vestuário,
além de Vasos, tudo tão sagrado...


E tendo-as escondido bem por perto,
o roubo foi mais tarde descoberto
onde há um monumento: Senhor Roubado.

19.

Teve esse tal Ferreira pouca sorte:
foi visto noutro roubo no mosteiro;
quem rouba normalmente não é forte
que fique só por um... o tal primeiro.


Confessa logo ali o seu desnorte,
o da Igreja, que o leva ao cativeiro;
cumprindo uma implacável lei da Corte
foi condenado logo o desordeiro:


Desculpa se te causo um calafrio...
Foi posto então no Largo do Rossio,
Ambas as mãos cortadas! Decepado!


Queimadas bem à frente, à sua vista;
depois cumprindo a norma legalista
seu corpo se findou… incendiado.

20.

Porém, olvida agora esse que peca
nem fiques pela história assim tão preso;
embora tenha sido dura e seca
a forma de tratar alguém repeso...


Vamos ali ao lado, à Biblioteca
onde tu podes ler gente de peso;
que o tempo até nos voa…Com a breca!
E contra as horas fico... eu indefeso.


Um amplo espaço vês, bem concebido!
Além de livros, coisas com sentido,
a música, o CD, ali se alinha...


Escritores, poetas, livros variados;
quem sabe se mais uns anos passados
ainda lá verás uma obra minha?...

21.


Oh... deixa agora as minhas pretensões
que às vezes da vaidade vem-me um cheiro...
Anda comigo um... dois quarteirões,
que temos para ver lindo Cruzeiro.


- A porta da cidade? - Opiniões...
A uns duzentos metros do mosteiro…
Ele ouve do coreto hoje canções
tal como ouviu as bandas bem primeiro.


Abaixo onde era a Quinta da Memória,
dum bairro que já viste estar na História,
onde um tão rico centro se descobre,


Verás um lindo prédio amarelo
que faz com a cidade hoje outro elo:
- os Paços do Concelho... o Salão Nobre...
22.


Mas não pretendas ver tudo num dia,
tantas coisas de interesse e tão distintas!
Pois logo, ainda em centro, ou periferia,
tens outros tantos bairros que eram quintas.


Quintas de férias: ricos! fidalguia!
Talvez de certo modo ainda os sintas…
Quinta do Mendes, Nova... outras que havia,
que no erguer de prédios foram extintas.


Verás a parte nova, mais menina,
um canto arborizado, uma piscina,
e pontes, auto estradas, e progresso.


Tudo conservarás numa saudade…
até que quase aposto, na verdade,
de tudo bem dirás desde o começo.

23.


Só quero que o desejo tu despontes
e voltes outro dia, outra semana...
Que nem viste Caneças, suas fontes,
nem o moinho além, da Laureana.


Mas quando regressares a estes montes
em vez de vires só, traz caravana;
pra verem no local o que lhes contes
de tudo o que de bom daqui emana.



Visitarás as outras freguesias
tens Antas, Aquedutos, e avalias
o quanto a tua alma deles gosta.


Em cada, é a cultura que te brinda!
Numa viagem que darás por finda
no Centro Cultural da Malaposta.

24.

Agora irás mais rico, meu amigo!
Sobe a Calçada *, lembra Gedeão!
Canta! Se não souberes vou contigo,
faz desse seu poema uma canção!


Talvez eu já nem saiba o que te digo
pois faço-o com bastante comoção...
Simples imaginar... o que consigo:
Luísa... odivelense? Porque não?


Cidade onde inda hoje as suas gentes
arrancam p'la manhã em contingentes
cumprindo por Lisboa o seu trabalho.


Contudo, a minha mente já divaga:
um poeta em ideias se embriaga
mas são sem fundamento. Não baralho...

* Calçada de Carriche

25.

E nisto dou por finda a minha ode
a esta que nem me é cidade-berço;
cantando quanto a alma sabe e pode
muitos dos seus encantos e em verso.


Porém é a cidade que me “acode”
desde um remoto tempo, a este terço;
que nela o meu Outono se acomode
até vir outro tempo mais adverso!...


Minha Odivelas, sabes que te amo!
Assim neste poema aqui proclamo
que és tu, já para mim, uma Rainha


Não sei se teus encantos eu mereço...
Mas pelo que de ti canto e conheço,
permite que te chame sempre minha!


Joaquim Sustelo

Em edição do autor _Ode a Odivelas_J.Sustelo_2006

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