Lisdália Viegas dos Santos

Cecy Poemas através deste amigo "Joaquim Sustelo", traz aqui momentos de ternura, dor, alegrias e tristezas de uma vida retratadas neste espelho de uma alma a "Poesia.

Narrativa Joaquim Sustelo;  Poemas de Lisdália...Passeiem nesta leitura reconfortante.

+Poemas da Autora

Em Maio do ano passado divulguei neste e em outros Grupos de Poesia, uma poetisa do Algarve, de 75 anos (provavelmente agora 76…) de nome Lisdália Viegas dos Santos.
 
Algarvia, nascida em Tavira, contudo casando e vindo a residir em Alcantarilha-Gare, minha terra de nascimento, costureira de profissão, pessoa de poucas habilitações literárias, contudo com uma poesia que deslumbra quem a lê.
 
Foram muitos os aplausos e manifestações de carinho que na data lhe deram,  aos seus dons poéticos, e que sempre lhe transmiti, o que agradeceu muito e com incontida emoção.
 
Vivia sozinha, a cerca de cento e cinquenta metros da casa onde viviam os meus pais (que entretanto também já foram para um Lar na freguesia), numa pequena casinha de rés de chão, a que faltavam algumas condições.
 
Ela própria também já tem os seus problemas de saúde, nomeadamente artroses, pelo que, a convite de pessoas que lhe são chegadas, se mudou há alguns meses para a vila de Algoz (a 4 kms de onde morava), onde habita actualmente um acolhedor rés do chão de uma moradia, "à sua medida" (como diz) com duas assoalhadas, propriedade  de uma neta.
 
Faz questão de me enviar de vez em quando alguns poemas, que tenho guardado religiosamente. E chegou a altura de lhe fazer de novo justiça, publicando alguns deles.
 
Tenho ideias de a visitar no próximo fim de semana, mostrando, no computador que vou levar, alguns carinhos que vocês lhe têm feito desde que a divulguei.
 
Assim, se puderem voltar a ter um tempinho para umas palavras, mostrar-lhas-ei então, contribuindo assim para que tenha um dia cheio de alegria e de boas emoções.
 
O poema que se segue retrata precisamente a sua vida de costureira, a sua já falta de forças e as artroses que acima referi, já muito impeditivas de grandes deslocações da sua parte.
 
 

Lamento 

Morreu metade de mim
Como posso assim viver?
Eu vislumbro já o fim
Sou rampa, já a descer 

Eu tive uma vida cheia
De emoções e de trabalho
Mas hoje já nada valho
Corria o sangue na veia!
Sem mesmo ter pé de meia
Fui lâmpada de Aladim
Que iluminava sem fim
O meu solar, meu cantinho,
Mas hoje clamo baixinho
Morreu metade de mim! 

As minhas pernas cansadas
Pensaram em fazer greve
Estou a ver que muito em breve
Muito mal darei passadas
Eu sinto-as tão carregadas!...
As artroses a crescer
Constantemente a doer
Às vezes falo comigo
Mas será isto castigo?
Como posso assim viver? 

Eu tive uma vida dura
Mesmo parada, cansei
Duma vida em que lutei
Sempre agarrada à costura
O cansaço ainda perdura
E algo me fala assim
Meio confuso, em latim
É a voz do coração
A que não dei atenção
Eu vislumbro já o fim 

Nunca perdi esperanças
Às vezes mesmo caída
P’los infortúnios da vida
Mesmo em baixo de finanças
Sem recursos ou heranças
Sorria ao amanhecer
Com armas p’ra combater
Agora… desiludida!
Quase no fim da corrida?
Sou rampa, já a descer. 


Lisdália Viegas dos Santos

 

Em Outubro e Novembro do ano passado, o conhecido poeta português José Fanha deu-nos aulas às quintas-feiras na Biblioteca de S. Domingos de Rana, acerca de correntes poéticas, formas de fazer poesia… e passava sempre um “trabalho de casa.” Isto é, dava-nos sempre um tema para na semana seguinte apresentarmos um poema feito por nós.
 
Às vezes o tema não era fácil…
 
Um dia falei no assunto à nossa amiga Lisdália, que me pediu desde logo alguns temas dados pelo poeta e amigo José Fanha.
 
Dei-lhe estes três:
 
1. UMA ROSA SOB A NEVE
2. VERDE, QUE TE QUERO VERDE
3. AI SOLIDÃO SEM DESCANSO
 
Vejam com a nossa amiga deu a volta aos temas:
 
 
 
1.


O dia era cinzento, o frio cortava
A neve ia caindo de rompante
A Rosa, à janela, cantarolava
Emocionada esperava o seu amante 

Os montes branqueados pela neve
Convidavam a Rosa a esquiar
Chegou o seu amante muito em breve
Foram ambos abraçados passear 

Munidos com a lancheira e o “ski”
Foram andando, escorregando aqui, ali,
Uma avalanche surgiu muito ao de leve 

Que nem o par notou o sucedido
E nisto um sufocante, longo gemido
Fora a Rosa que ficara sob a neve. 


2.


Quero-te sempre verde, minha esperança
Na esperança de te ver em cada planta
Mais viçosa no pulsar duma criança
Como a alegria, no peito de quem canta 

Quero-te verde, sempre em cada aurora
Em cada nascer do sol, a rebrilhar
Na primavera, nos trigais e na flora
Num par de namorados, a amar 

Quero-te verde, juventude do presente
Forte, inabalável, persistente,
Esperançada no dia de amanhã! 

Quero-te verde, como o verde da Bandeira
O teu sangue vermelho, sem canseira
Na esperança dum corpo são em alma sã! 


3.


Oh… amarga solidão que me persegues
Que arruínas minha vida sem descanso
Pensaste destruir-me? Tu consegues!
Com o teu silêncio, mais soturno e manso 

Nem o latir dum cão, nem o miar dum gato
Nem ave nocturna quebra esta apatia
Nem o palmilhar de um qualquer sapato
Só a escuridão na noite tão sombria! 

Nem uma estrela a rebrilhar no Céu…
Solidão amarga! Todo o mundo é teu?
Deixa-me! Ao menos por um só momento! 

Não quero mais ser, por ti perseguida
Vai! Vai! Tu não me peças a mim guarida!
Sobrevoa o mar nas asas do vento!

 Lisdália dos Santos

 

A Lisdália dá a volta a qualquer tema.
 
 E pedindo desculpa se vos canso, vou aqui deixar mais umas pérolas desta nossa amiga:


Chorei Por Dentro
 

 

Foi tão grande a angústia que senti
Que o meu pobre coração entristeceu
Rude lágrima teimosa que escondi
Mas que querem? Sou assim, aconteceu! 

Vi olhos reluzentes de alegria
Em cada rosto, um sorriso quando aflora
Era a arte, o talento, era a poesia!
Que bailava em cada peito sonhadora 

Enquanto eu folheava o livro aberto
Como esperança perdida num deserto
Em busca do meu nada… encontrei 

Um vazio, um desprezo, alheamento!
Fiquei triste, apreensiva, sem alento
Confesso que por dentro, até chorei!


Cansaço

 
 
Acordei a madrugada com meus ais
Sorri ao sol dourado e florescente
Ao som desse murmúrio dos pardais
Refresca-me esta brisa docemente
 
 
Corri! … Eu fui atrás duma quimera
Dum sonho esvaído, em luta a dor
Que outrora acalentei na primavera
Alheia à triste vida, sem amor!
 
 
Caminho ao acaso, sempre à sorte
Extenuada, em busca do meu norte,
E digo à minha alma, magoada:
 
 
Anda! Vai! Alma minha, devagar...
Leva o meu coração a passear
Que eu fico por aqui, estou cansada!
 
 


Só Eu, Mais Ninguém 

Cada ruga do meu rosto é uma história
Das muitas que me marcam por destino
Fui atleta consumada, sem vitória
Fui ordenada, como manda o figurino 

Quantas curvas encontrei no meu caminho?
Quantas rectas na vida, atrás deixei?
Medindo cada passo, tão certinho…
Mas nunca coroa de louros alcancei 

Às vezes choro e penso na distância
Há muito quem não dê tanta importância
Mas eu dou! O que importa e o que tem? 

Se fiz de mim um livro de leitura!
Em cada página retrato uma gravura
Onde somente eu leio e mais ninguém! 

 

 

 


Ora a Lisdália, como já viram, não escreve apenas sonetos. Ela domina todos os géneros: quadras de mote e glosas, quintilhas, sextilhas… e as tão bonitas quadras de 7 sílabas. Destas, fez questão de me oferecer as que se seguem, que as leio sempre com emoção pois sei bem como sofreu na sua vida,  e que vos dou a conhecer também. Trata-se de um retrato fiel dessa vida amargurada:


Fiz Das Tripas Coração 

Das tripas fiz coração
De coração a vontade
Da vontade fiz acção
Da acção a realidade 

Fiz de mãe e fiz de pai
Tudo o que Deus ordenou
Comi, mas isso lá vai,
O pão que o diabo amassou 

Fiz do peito uma caixinha
P’ra guardar as amarguras
Do meu reino fui rainha
Perdoei tantas loucuras! 

Fiz de mim o próprio arrais
Do barco que governei
Nas horas de vendavais
Mil tormentas amainei 

Fiz do meu sentido o guia
Dos meus olhos fiz farol
Das lutas fiz harmonia
Sorrisos, dos raios de sol 

Serenava a tempestade
Às vezes… num copo de água!
Recordo com saudade
Apesar de sentir mágoa 

Fiz de doutor, enfermeira,
Lado a lado, camarada
Fiz de fada feiticeira
Mesmo não valendo nada 

Da casa fiz o meu mundo
Do meu coração, albergue
Fiz de mim poço sem fundo
E ao destino fui entregue 

Nadei sempre em águas turvas
Sob nuvens, trovoada
Enfrentando sempre as curvas
Da vida desajeitada 

Quantos suspiros e ais
Afogava na garganta!
Aquele que cai, jamais
Tarde ou nunca se levanta 

Do tormento, fiz a vida
Por ele fui premiada
Levo a sarar uma ferida
Para a qual fiz a pomada 

A receita passo a dar
Paciência, resignação…
Água benta p’ra lavar
Com amor… no coração.


Lisdália Viegas dos Santos

+Poemas da Autora


"Direitos reservados, nos termos legais. Proibida a reprodução ou uso por qualquer meio sem autorização do autor".

Menu

Livro de Visitas

Voltar

Coroa de sonetos

 

Email