INTRODUÇÃO: 

 

O trabalho que se segue foi uma aposta que fiz comigo mesmo.

 

Tive a felicidade de conhecer o grande poeta João Baptista Coelho (JBC), para mim – e peço desculpa se melindro alguém -, o melhor poeta português da actualidade. Foi há cerca de um ano, talvez nem tanto, no Palácio Galveias, por intermédio da Associação Portuguesa de Poetas.

 

Foi ele que me ensinou as regras a que obedece uma Coroa de Sonetos, sei que tem muitas, e logo aí me propus, a mim próprio, fazer também uma. O que aconteceu.

 

JBC é um poeta que deslumbra em toda a sua poesia. Pelas rimas tão bem conseguidas, muitas delas nada vulgares, pelas metáforas utilizadas, pelo modo lindíssimo e muito seu, como descreve tudo o que vê e sente. Versos cheios de uma riqueza de linguagem, fazendo jus aos mais de 900 (novecentos! e não sei se estou a pecar por defeito…) prémios que já lhe foram atribuídos nestes 20 anos em que tem escrito poesia.
 
Trocámos recentemente os nossos livros. Todos os seus, e outra coisa não seria de esperar, me encantaram profundamente.

 

Porém, entre esses seus livros, que guardarei religiosamente, há um que me prende às suas páginas. Já o li creio que umas 5 ou 6 vezes. Tem por título: “ 25 Sonetos com o mar  ao fundo. Uma Ode a Cascais.”

 

Na presença deste livro, surgiu-me a ideia de fazer  um trabalho semelhante acerca do concelho que me viu nascer (Silves).  Hesitei… a tarefa era arrojada. Não tenho, nem de perto, as qualidades poéticas de JBC, ainda que me seduza tentar sempre uma aproximação, que suponho muito difícil, mesmo  que a gente melhore com o andar dos anos.

 

Mas, ainda assim, decidi pôr mãos à obra. E então produzi este modesto trabalho, que faço questão de dedicar

 

- à minha família
- às gentes do concelho de Silves, em geral
- à edilidade
- aos amigos que me acompanharam, naturais ou não daquele concelho, nos estudos que fiz na cidade deSilves
- a outros amigos daquela zona
- a todos vós,  que tendes acompanhado pela Internet, esta minha vontade de escrever, tentando sempre o meu melhor.

 

Um abraço a todos.

Sustelo 

 

 

1
Não te entristeça um dia, de enfadonho;
Cinzentos esta vida sempre traz.
Não permaneças nele assim tristonho
e mostra o teu sorriso, que és capaz.
  

Lá porque te ruíu na vida um sonho
ou porque se ausentou alguma paz,
aceita o que em meus versos te proponho
decerto uma proposta que te apraz.
  

Levanta o teu "astral", ganha coragem!
Convido-te a fazer uma viagem
e grande é a beleza que ela encerra.
  

Um mar azul será pano de fundo;
vem ver um lindo espaço neste mundo,
que é todo o meu concelho, a minha terra.
 

2
Será uma visita em que te guio
mostrando destas terras a beleza.
É isso que proponho: um desafio...
ao Mar, ao Sol do sul, à Natureza.
 

Que o tempo do meu sul é mais estio,
não tens nem no Inverno essa aspereza
que surge em outras terras pelo frio...
Aqui o sol sorri. Mais! De certeza.
 

Vem ter o meu concelho, que é no centro.
Entra no meu Algarve, aqui adentro,
vais ver que esta proposta não é vã.
 

E quando em horizonte o sol assome,
permite que teu tempo então te tome,
e partiremos juntos p'la manhã.

 3

Acorda. Vem subir a este monte:
Malhão e seus moinhos em ruinas;
deixa, desta figueira, que te conte
dos figos que colhíamos, traquinas.
 

Da casa aqui a norte, bem defronte,
que foi onde nasci, mais três meninas;
minhas irmãs, que ali da mesma fonte,
partiram para longe em suas sinas.
 

Olha naquela esquina a alfarrobeira
que tanta vez sentiu a brincadeira
e os gritos de alegria (que inda oiço...)
 

Um grupo de crianças tão humilde:
o Chico, o Manuel, o Leonildo,
e eu. Nossos berlindes, o baloiço...

 4

 Mas deixa agora a casa, esse meu berço,
levanta bem os olhos, mais além!
Que se demoro os meus já me disperso
naquele eirado que ela ainda tem:
 

o que me deixa em sonhos bem imerso
naquelas desfolhadas, onde alguém,
cantava a quem amava, a quadra, o verso,
ficando-lhe dum beijo sempre aquém.
 

O tempo urge. Que não te prejudique!
Repara ao fundo a serra de Monchique
alheia ao outro encanto, que é só meu.
 

As nuvens a tocar-lhe, em união,
cantando-lhe baixinho essa canção
de amor que a terra sente pelo céu.  
 

5 

E vê pelo caminho nas encostas,
dispersas, a sorrir, amendoeiras.
Dessas da flor branquinha que tu gostas
ainda podes ver as derradeiras.
 

De muitas, no lugar, já foram postas
num verde cor de esp'rança, laranjeiras;
que são nesse seu fruto outras respostas
Rendendo aos donos mais... alvissareiras.
 

Não vês, contudo sente o Algarve antigo:
um espaço que já foi de muito trigo
cevada, fava, aveia, tudo cheio.
 

À tua frente intacta a alfarrobeira;
e escassa, mais escassa, a oliveira
com urzes e pinheiros de permeio.

 6 

Mas volta o teu olhar para o poente
tão grande é a beleza da paisagem.
Não falo do ocaso, o que se sente,
mas de campos e vilas... sua imagem.
 

No branco casario, refulgente,
surge a pequena Porches na viagem;
e ao fundo com seu ar mais imponente
vem de Lagoa, em vinhas, uma aragem.
 

E olha mais à esquerda que já brilha
a torre da Igreja... Alcantarilha,
Histórica vila, minha freguesia.
 

Mais longe, em Armação, um pouco ao sul,
confundes Céu e Mar no seu azul,
de novo Mundo e Céu em sintonia.  

 7 

Deixa que o mar, agora na direita
Te fique, quando os olhos tu moveres.
Que a vila do Algoz o espaço enfeita
e merece um minuto. Se puderes,
 

vê a que foi em tempos minha eleita...
que uns corações de femininos seres
traziam já ao meu essa "maleita"
que tinha o nome AMOR. Mas se quiseres,
 

descemos esta encosta. Vá, avança!
O sol nasceu há pouco, é uma criança,
e vamos ver Algoz lá bem por dentro.
 

Mas só um poucochinho, num relance...
Não deixes que a memória lá me dance
pois só nesta viagem me concentro.
 

8
(Que os tempos desse amor foram impunes:
os meus primeiros versos, pouco mais...)
Vamos então em frente, a ver de Tunes,
onde tens, do comboio, outros sinais.
 

Cidade que o não é, mas onde unes
a ferrovia ao homem, que fez tais
casas e ruas, ao "sem-jeito" imunes,
em forma, ou no tamanho, quase iguais.
 

Deixemos esse burgo, o seu humano;
Espera-nos outro trilho, o mais serrano,
que vai também mostrar encantos seus.
 

Sobre uma linda vila quero que opines
que é São Bartolomeu... o de Messines,
o berço do poeta João De Deus.

 9

 Nascida de Messines e de Cortes
as duas (diz a lenda) com inveja,
olhavam-se uma à outra, sem as sortes
de ser a freguesia e ter Igreja.
 

E enviam cavaleiros nos seus fortes
anseios, desse mando que lateja.
Cruzam-se então num vale. Aí, suportes,
lançam do edifício... sem peleja.
 

É nesse extenso vale o casario.
Fazendo à nossa vista um desafio,
perder-se pela vila tão airosa.
 

Deslumbra o teu olhar bem pelo vale;
depois tu não permitas que me cale
sem te mostrar ao lado a Amorosa. 
 

10
Mas nossos tempos são um tanto parcos
e voam-nos se a alma é encantada.
Um pouco mais acima já São Marcos
aguarda que vençamos esta estrada.
 

Sigamos por etapas como os marcos
separam a distância na jornada.
Que ainda iremos ver à tarde os barcos
na praia que escolhi na alvorada.
 

São Marcos já nos surge à nossa frente:
disposta na encosta e tão luzente,
tão pequenina e linda, tão serrana...


Um aroma vem da esteva e do medronho.
O ribeirinho ao lado, um ar de sonho,
das gentes um amor que tanto emana!
 

11 

Eu sei, estavas mais tempo nesta terra,
um canto que é de sonho e nostalgia.
A paz que vem dos montes desta serra,
as gentes por quem nutres simpatia.
 

Guarda-a no coração, que tudo encerra.
Mais tarde dentro em ti ela desfia.
O tempo, de olhar mais, agora emperra,
o sol já vai a pino, é meio dia.
 

Vê esta estrada estreita que se escapa
também toda na serra, olha no mapa,
são vinte e tal quilómetros de troço.
 

Não vamos ter no tempo mais dispêndio:
encurta. Só foi pena tanto incêndio
neste trajecto a Silves: nosso almoço.

12
Chegámos. Não te mostro inda a cidade
que o estômago já acha tarde a hora.
Entremos pra comer, que na verdade
o passear com fome até descora...
 

Ameijoa em cataplana... que saudade!
Que bem que eles a fazem! Vê agora:
carapaus alimados... ó vontade!
A minha mãe fazia-os tanto outrora...
 

E olha a mesa ao lado, que diacho!...
Não queres experimentar este gaspacho
que tanto nos consola de fresquinho?
 

Talvez servisse bem como uma entrada...
Depois há sempre escolha e variada
e temos, de Lagoa, o nosso vinho.

13
Agora que já está cheia a barriga
e fizemos na volta algum descanso,
Tenho um dever aqui... queres que diga?
Deixa-me tomar força, que eu avanço:
 

Mostrar uma cidade que me obriga
a te explicar as coisas que afianço.
Dizer da importância; o quão antiga...
agora ela tão calma em seu remanso.
 

Apenas este rio, o rio Arade,
há-de lembrar 'ma tal grandiosidade
memória que conserva dela cheia.
 

O rio onde a cidade se projecta;
um canto em tantas rimas de poeta,
o espelho onde o "presépio" se penteia.
 

14 

Falei-te no presépio... anda vem ver
aqui na parte sul, do miradouro:
as casas em socalcos, a descer,
com o castelo ao cimo em seu pelouro.

A Sé já vês além resplandecer...
Do Algarve a maior: o seu tesouro!
Ao centro da encosta, a condizer,
a Câmara a brilhar para o vindouro.
 

Mas vamos lá ao centro sem demora,
olhar esse que foi da Dona Aurora,
um palácio bem lindo, que deslumbra.
 

Visitemos dos Mártires a ermida;
que é onde iniciaremos a subida
pra veres o que do cimo se vislumbra.
 

15 

Já estamos cá no alto. Artesanato
podes comprar aqui das nossas gentes.
Compraste, foi bonito esse teu acto!
Vá, entra nesta porta... o que é que sentes?
 

Tens um enorme espaço em aparato...
Estás dentro dum castelo; e há luzentes
ameias que te lembram márcio facto,
e estas paredes altas... imponentes!
 

Mas vai pelas escadas, sobe mais.
A Cruz de Portugal, os laranjais,
o Enxerim, a serra, à tua beira...
 

E vê alguns recortes tão bizarros
da casa onde viveu Samora Barros,
que dele fala ainda a urbe inteira.

 16 

E olha o Rio Arade, outra vez ele...
Vê como serpenteia no trajecto...
Ladeando esta cidade a dar aquele
que chamo o seu abraço. Com afecto.
 

Já foi há tantos anos... Sim foi nele,
que Dom Sancho ultimou o seu projecto;
e fez sua vontade, essa que impele
a dar mais consistência ao nosso tecto.
 

Tomando este castelo e a cidade,
aumenta o património; na verdade,
transporta às suas gentes outra lei.
 

Enche o teu peito de ar.Já aí vou...
E toma este conselho que te dou:
sente-te aí no alto, também rei!

 17 

Permite que te fale da importância
de tempos mais remotos desta história;
De toda uma imponência, uma fragrância,
trazida por escritores à memória.

 Palácios, edifícios, na distância
dum tempo que lhe deu rios de glória.
Lisboa estava aquém, em abundância.
Silves, no grandioso, era a vitória.
 

De todos os Algarves capital,
estendia-se ao Falacho num sinal
que foi duma grandeza de primeira.
 

Olha-me em volta! Bem! Não te arrependas!
Depois contar-te-ei ainda as lendas
como essa, a tal da flor da amendoeira.

18
Amigo, começou há muito a tarde.
E nós, estes encantos vislumbrando.
Desta cidade linda faço alarde
e sei que qualquer dia estás voltando.
 

É sob o imenso sol que ainda arde
que temos de partir, ir já andando...
O tempo nunca pára. E eu, "cobarde"
não posso contra ele ir arrostando.
 

Vamos então seguir nossa viagem.
Leva da minha Silves a imagem
como se fosse um sonho, uma quimera.
 

Recorda o que falei: o mar ao fundo.
Que de outras sensações eu já te inundo
na praia, lá por Armação de Pera.
 

19 

É esta a linda praia do concelho,
aquela que escolhi na minha infância.
As águas transparentes como um espelho,
as ondas tão suaves na alternância.
 

Aqui já tive um sonho, um sonho velho.
Um beijo, um dar de mão, já na distância;
um rosto que corava... tão vermelho...
achando que o proibido era abundância.
 

Senta-te aqui um pouco nesta praia
e olha o mar imenso onde se espraia
a vista até ao fim. Olha a Galé.
 

Observa as ondas calmas uma a uma...
Sorri-lhe a esse beijo de alva espuma
se alguma te beijar, ao vir ao pé.
 

20 

Repara ali ao lado os pescadores
e os barcos que há bocado referi;
absorve a maresia e seus odores
enquanto descansarmos por aqui.
 

As gaivotas no bando dão mais cores,
vêm ao pé de mim... ao pé de ti...
E esta morna água os teus calores
refresca se mergulhas nela ali.
 

Afasta por agora as tuas mágoas
e vê o sol além já sobre as águas
a dar o seu mergulho no poente.
 

Amigo, como é linda a Natureza!
Não canses de admirar esta beleza,
sentir este esplendor à nossa frente.

21
Renova as energias, que perdidas
pensavas, estarem antes da viagem.
Nas vidas por tão duras e sofridas
soçobra sempre um pouco de coragem.
 

E sente estas areias aquecidas.
Leva da minha praia a sua imagem.
Um areal imenso que em medidas
a muitas do País ganha vantagem.
 

Atenta neste mar, tão morno e calmo
Cantemos nossa prece, um lindo salmo,
Os olhos embebeda e aprecia...
 

Na hora em que este sol no mar se afunda
De amor a tua alma agora inunda
Que a hora é só de amor e poesia.
 

22
Entanto já se deu o pôr do sol.
Talvez irmos embora? Oh, não aposto:
Absorto a contemplar o arrebol
eu vejo-te a sonhar, tão bem disposto...
 

Mas temos de ir. Agarra o teu lençol,
esse do banho. Enxuga corpo e rosto.
Já foi um dia em cheio. Estou tão mole,
'Té penso: vou dormir, se aqui me encosto.
 

Passamos pela minha freguesia;
Veremos a Igreja... foi-se o dia
mas inda se vê bem. E na viela,
 

ao lado da Igreja, adjacente,
verás uma que é doutras bem diferente,
de ossinhos recheada, uma Capela.
 

23
Agora é a etapa derradeira.
Partimos da Capela rumo ao norte.
A lua já sorri tão prazenteira
mas fome já não há quem a suporte.
 

Bem perto um restaurante e "à maneira..."
Temos aqui à mão nosso transporte.
Pra quem já circulou a tarde inteira,
Precisa de um manjar!(Vamos ter sorte...)
 

E no jantar ainda recordamos
os sítios, os locais, por onde andámos,
já com certa pontinha de saudade...
 

O tempo foi tão curto... ele nos foge.
Mas não te vás embora ainda hoje,
respeita o que disser tua vontade.
 

24 

São só uns metros mais, só um pouquinho,
a casa é já ali, essa onde habito.
O espaço onde jantámos é vizinho
e vais gostar de entrar, eu acredito.

Aproveita o luar, vê no altinho:
Surpresa? Mas decerto achas bonito:
aquele vulto além é o moinho,
o tal donde partimos. E medito,

no quanto deves ter amado a volta...
A alma bem liberta que se solta
a fazer à paisagem, jus, alarde...
 


O quanto aqui o espírito extravasa!
Olha vamos entrar na minha casa
Descansa, vai dormir, que já é tarde.

 Joaquim Sustelo
20.02.2006

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