Eu idealizei o meu quadro, minha obra de arte.
Sei que nunca será exposto em nenhuma bienal.
Eu não tenho essa pretensão.
Mas é o meu quadro, é o meu ideal, sendo transposto para o
real.
Posso assegurar que gozo de uma imensa vantagem sobre os
demais, sou um artista original.
Elaborei um quadro apenas para o meu deleite.
Foi trabalhoso?
Foi!
Mas é um original, não sofri, nem sofro, as maléficas
interferências da crítica, assim como, não tenho a obrigação de apresentá-lo
como pertencendo a alguma linha, ele pertence a todas:
Por vezes é um autêntico representante do renascimento;
tem tudo a ver com o grande florescimento das artes, é um retrato do século XV e
XVI.
Seguindo a tradição, olhando para ele, da noite para o dia, em
sua metamorfose, eis meu quadro em puro estilo barroco; e sem nenhum
favoritismo, deixa transparecer gloriosamente todo um período da cultura do
ocidente que desponta em fins do século XVI e vai até princípios do século XVIII.
Obra altamente elaborada.
Em outros dias, ele se torna romântico;
fantasioso e imaginário, substitui com sua grandeza os modelos clássicos.
Quando bate a nostalgia ele se apresenta como neoclássico;
enquadrando-se muito bem naquele movimento cultural do século XVIII, que buscava
o retorno às formas gregas.
Sentindo-se só em suas tentativas ele se disfarça em rococó;
com excesso de ornatos; de mau gosto; sem sentimento artístico.
Fora de época ou de moda, tal e qual ele se apresentava no
século XVIII, por toda Europa.
Passam-se dias, até que ele muda e, encara um realismo;
quando então ignora por completo os aspectos subjetivos, ou emocionais.
Mas o meu quadro não é estático, ele é dinâmico, e, logo,
logo, entra para o modernismo; onde se sai muito bem naquele estilo
moderno, daquele movimento artístico de varias tendências surgidas neste século.
Ultimamente, meu quadro, coitado, está escuro como carvão;
até parece que a carvão foi pintado nele o verdadeiro inferno de Dante.
O meu quadro pertence à vanguarda; ele é vanguardeiro.
Ele vem na frente.
Nem que seja para expor a morte.
Este quadro que tanto lhes falei, ele existe e está exposto.
Trata-se de uma folha de papel cartão, medindo 60 x 70 cm. na
cor preta, que se encontra pregado em uma das paredes do meu escritório.
Basta imaginação.
O quadro é meu!
Eu penso, logo, ele existe.