Beira _Baixa_Portugal

Obra de Joaquim Sustelo_Março_2006

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Sonetos

( 22 )

1.


A vida é na dureza que a vivemos
por calma que nos seja a actividade.
E é sempre das viagens que trazemos
a grata sensação que nos invade,


aquela que dá forças... onde vemos
a ânsia de viver com mais vontade.
(A alma e coração bem os enchemos
mais tarde ao recordar, numa saudade)


Convido-te a entrar País adentro...
Não é norte nem sul: é bem ao centro
que aportarás feliz nessa viagem.


Deslumbra o teu olhar, refresca a alma
lá onde a Natureza é bem mais calma,
na paz e no silêncio da paisagem.



2.


Amigo! Vai da Isna até ao Codes
do Zêzere às encostas de Cardigos;
bastam-te só dois dias, se é que podes,
depois retorna lá, leva os amigos.


Vê essa que nas barbas ou bigodes
sofreu as invasões, dos inimigos;
a que merece agora as minhas odes
cantando os seus recantos e abrigos.


A vila e as paisagens... que eu amei
assim que em minha vida as enxerguei,
a nesga de terreno, a curta faixa;


Vila de Rei: o burgo e o concelho;
brilhando na paisagem como um espelho
no centro do País, na Beira Baixa.



3.


Observa como são as suas gentes
bem simples, cordiais, hospitaleiras;
aquelas que não te olham indiferentes
e têm, de agradar, lindas maneiras.


Os tais grandes amigos, sorridentes,
que abafam do labor suas canseiras.
Vê como eles actuam, diligentes,
nos campos... oficinas... nas madeiras...


Recebe no geral toda essa entrega.
A gente que te leva à sua adega
numa amizade sã, franco convívio;


Visita-lhe as aldeias. Sei que gostas!
Admira-as a sorrir-te das encostas,
respira aquele ar puro com alívio.



4.


Se entrares por Abrantes segue ao norte
por essa antiga estrada: a número dois;
O trilho não é nada que conforte
com curvas e mau piso. Mas depois,


depressa esquecerás. Que não te importe!
(Nem sempre os nossos dias têm sóis...)
E olha as serranias, seu recorte,
a dar-te à mente um sonho que constróis.


À estrada, hoje carreiro tão estreitinho,
vem acenar-te alegre o pinheirinho
aquele que fugiu ao fogo... posto (?)


Serpenteando encostas pelos montes,
parando pra beber água nas fontes,
todo o caminho irás, sempre com gosto.



5.


Cuidado! Devagar... há precipício...
Demoras o olhar? Ah, então pára!
Terás o vale ao fundo desde início,
no perigo que a teus olhos se depara.


Mas tudo o que verás é benefício
prá alma que rendida se declara;
na Natureza há sempre bom auspício,
surpreza te aparece... bela, rara.


E enquanto vais descendo uma ladeira
adivinhando ao fundo essa ribeira
do Codes, que citei mesmo há bocado,


repara: o invulgar à tua frente!
No meio dos pinheiros, reluzente
sorri-te um tal Penedo... que é Furado.



6.


Nem penso descrever todo esse encanto!
A rocha, de "cavada", é um buraco...
Sobre ela um miradouro em ar de manto
cobrindo-a como sendo o seu casaco.


Verás (dito por mim nem abrilhanto...)
do Codes lá no fundo um curso fraco;
a praia fluvial num seu recanto
barragem pequenina, a formar saco.


Num dia de calor, em tempo estio,
descer, ir lá abaixo é desafio,
o espaço nos convida a um mergulho;


À sombra, árvores olham que se fique.
No bar há um refresco, um piquenique,
ao lado as quedas de água e seu barulho.



7.


Pela margem do Codes - a direita,
num trilho hás-de fazer a caminhada;
ao cimo a bela encosta que a enfeita,
ao lado inda hás-de ver Bicha Pintada.


A lenda nos relata, era a suspeita
de haver Bezerro algures na chapada...
Dourado, bem brilhante, dessa feita
entre o Penedo e Bicha, junto à estrada.


Na margem, lado esquerdo, a Matagosa
em lendas e em história bem famosa
sorrindo do concelho adjacente;


consta que em tempos idos lá passou
um grupo de soldados de Junot
com grande oposição daquela gente.






8.


O trilho faz a curva, vai por ela...
Que as horas não te sejam pequeninas!
E vê uma cascata, longa e bela,
bem perto onde há também umas piscinas.


Respira ali… e fundo que a canela
vai ter de se cansar pelas ravinas;
A encosta sobe a pique... será nela
que mostrarás se as forças são meninas.


Ao cimo sobe a outro miradouro;
De onde tudo luz como um tesouro
a água, montes, céu, em comunhão.


Verás diversas santos na paisagem
Da qual tu guardarás a linda imagem,
as fragas onde corre o Rabadão.



9.


Naquele paraíso o tempo engana
correndo com vontade à nossa alheia;
é tanta a sedução que tudo emana
que a alma se nos perde, ali se enleia.


Mas há que retornar à “caravana”
(se em caravana foste, irá mais cheia...)
e tens a te esperar Bela Serrana (*)
que noutro encanto prende em sua teia.


Brilhando pequenina na encosta
alegre, prazenteira, bem disposta
está como que a dizer "Vem! Sê feliz!


Faz tempo que te espero, um tempo velho...
Percorre-me estas ruas, o concelho
que tem o seu foral de Dom Dinis."



(*) Vila de Rei também é chamada a Bela Serrana.



10.


Houve um povoamento por Templários
e pela Ordem de Cristo, em seus terrenos;
Decerto por sentirem extr'ordinários
os vales com uns ventos mais amenos.


A vila tem pra ver motivos vários
dispostos por espaços tão pequenos:
Igreja... os novos Paços... camarários,
uns lagos e outros cantos tão serenos.


As ruas são pequenas nos tamanhos.
Mas têm restaurantes com maranhos
um prato regional que faz cobiça.


Almoça pelo meio daquela gente
e segue mais um pouco, logo à frente
a ver do seu Picoto, o da Milriça.



11.


É nele que é o centro geodésico
deste País plantado à beira mar;
às vezes nosso cérebro é amnésico
ao ponto destas coisas não lembrar...


O espaço que nos surge em seu genésico
encanta a nossa alma e o olhar...
e o tempo em que lá sonhas é nemésico
dos dias em que estás a trabalhar.


Permite que te diga em jeito breve:
de inverno até se vê na Estrela a neve
em pontos tão branquinhos e distantes...


Bem perto vês a Serra da Lousã;
e hás-de ver bem mais, se a vista é sã,
os montes, tudo à volta... até Abrantes!



12.


Aos olhos na paisagem se desfila
um espaço que à visão se torna enorme;
ao fundo, mesmo aos pés, lá tens a vila
e tão linda pousada, onde se dorme...


Mais casas pra dormir ela compila
verás a que te for a mais conforme;
e como ainda é cedo rejubila
talvez um'outra ideia em ti se forme:


Quem sabe? Podes ir a Macieira,
a praia que sorri na albufeira
do Zêzere e do Codes na junção;


Seguir depois dali velhas estradas
com vistas sobre a água até Valadas
onde terás de novo o alcatrão...
13.


Depois podes seguir para a Malhada
ou mesmo ir mais abaixo… Arrancoeira;
em breve até terás a nova estrada
que vai levar-te junto à albufeira.


A alma vai ficar-te extasiada
Com tanto de beleza à tua beira…
E a tarde lá darias por passada
que em sonho ela se passa bem ligeira.


Mas o melhor será mesmo voltares
depois desse recanto admirares
na ponta do concelho, um seu limite;


subir pelo caminho que fizeste,
agora todo ele um pouco agreste,
até que um novo piso lá habite.




14.


Passar por Valadinhas, S. Martinho...
aldeias que cativam quem as vê;
descer até às Trutas um pouquinho
que tem lindo circuito mas a pé.


Começa na Capela esse caminho
e apenas te sei dar um lamiré:
vai por profundo vale, bem fundinho!
(Mas fui só nele um pouco, não dou fé.)


Porém, já estará perto o pôr do sol
e deves, por cansado, andar já mole;
é tempo de deixar a periferia.


Regressa à linda vila pra jantar;
depois algum café, o descansar,
que há tempo pra ver mais, no outro dia.



15.


Acorda! Que dormir não é papel
que possa prolongar-se num turista!
O Castro tens de ver, de S. Miguel,
é perto e vai passar-lhe lá a vista.


Terá sido dos Celtas um quartel
no cimo bem dum monte, em sua crista;
muralha hoje de pedra, num painel
difícil de explicar no que consista.


Regressa ao alcatrão, desce a estradinha
hás-de passar depois Boafarinha
que tenho para ti outras ideias:


um pouco mais adiante em linda quinta
verás por entre as outras bem distinta
a casa que é Museu...o das Aldeias.




16.


Mais de quarenta salas recheadas
com peças bem do tempo dos avós:
forquilhas, lavatórios, ou enxadas,
balanças, ou teares, ou enxós...


Assim nas várias salas são mostradas
Coisas de antigamente. Vês as mós,
as roupas que no tempo eram usadas,
como era o seu modelo... Logo após,


repara nesse canto acolhedor:
cavalos a pastar em teu redor
e o mais que há-de agradar-te na fazenda;


compra postais, co'a quinta no retrato;
e livros... ou algum artesanato;
quem sabe se até vês meu livro à venda…



17.


Depois deixa da Relva o paraíso
e segue prá Cabeça (que é) do Poço;
ver outras maravilhas é preciso
e o tempo, se nos voa, não é nosso...


Verás pelo caminho em plano liso
praia de Bostelim nesse teu troço.
E em S. João do Peso eu ajuizo
reforçarás o teu pequeno almoço.


Verás da Natureza outras janelas;
a praia que é do Pego das Cancelas
Ponte dos Três Concelhos logo ao lado;


Devota a todos eles teu carinho;
depois hás-de voltar, mesmo caminho
decerto que virás maravilhado.



18.


Passa Fundada, a outra freguesia.
Entra na linda Igreja que ela tem;
todos te acolherão com alegria
pois pensam, se lá vais, será por bem.


Depois... que a minha casa te sorria
No Abrunheiro Grande, um pouco além...
Vilar do Ruivo… sempre a simpatia!
E Fernandaires... a graça que lhe vem.


Por lá tens outra linda, bela praia.
E a vista pelo Zêzere se espraia
esplendor da Natureza, à tua beira.


Contempla o paraíso.Mas por fim,
tens de ir. Prossegue a rota de Alcamim
a ver da acolhedora Zaboeira.




19.


De novo à beira rio, aquele canto…
Aldeia tão bonita e tão pacata...
O rio e suas voltas, num encanto,
silêncio não de oiro… talvez prata.


Um restaurante enorme. E entretanto
será onde essa fome lá se mata;
e hás-de olhar o rio e sonhar tanto
que a tarde deixará de ser gaiata.


Da barragem, verás algum efeito:
Castelo de Bode alaga tudo a eito
foram várias aldeias inundadas.


Mas resta da albufeira essa beleza;
aposto que lá voltas! É certeza!
pois são recordações que são sagradas.



20.


Ao lado da bonita Zaboeira
uma moderna ponte que a decora,
mostrando-se imponente e altaneira
convida-te talvez a vir embora.


Oh não! Tu tens pra vir outra maneira
o sol inda vai alto, inda demora...
A volta que proponho é bem ligeira
não perdes talvez mais do que uma hora.


Os Poios? Quedas de água? Já nem digo...
(A água às vezes pouca, meu amigo,
embora seja sempre bem vistosa!)


Reservo para ti outra surpresa:
perdida já no tempo com tristeza
não vais sem te mostrar Água Formosa.



21.


Dizer-te que a aldeia é quase um misto
de sonho, de amargor, desolação,
dum abandono tal mas que ali visto
revela tanto ao nosso coração,


das casas na encosta, elas de xisto
do silêncio que envolve a povoação,
de andar por ela a pé quando a revisto
da fonte onde encho sempre o garrafão,


do passarinho que o silêncio corta,
do tipo de ferrolho até da porta
a que, nos dias de hoje, alguém habita,


do som que a água faz no seu riacho,
de tudo o que se vê encosta abaixo,
Ah... mais não te direi! Faz a visita!



22.


Assim terminarás tua viagem...
Dirás que foi um sonho, uma utopia;
a graça das pessoas, a paisagem
e dás por bem empregue o santo dia.


Traz destas lindas terras a imagem,
invada-te mais tarde a nostalgia!
Transmite aos teus amigos a mensagem
darão de uma visita a alegria.


E quanto a esta "pena", mais não pode!
Foi um escrever modesto de uma Ode
Cantando terras, gentes, com amor.


Não é terra natal de quem a canta;
mas sempre é lá que o sonho se agiganta
em tudo há um deslumbre em seu redor.



Joaquim Sustelo
16.03.2006


 

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