A Espera

 

 

 

A noite me arrefecia
E o desgosto consumia
O meu peito intransigente…
Este peito que resguarda
Um coração feito errante,
Nessa procura incessante,
Nessa busca permanente,
Desse amor que lhe fugiu
Foi-se embora e não voltou.
Com a esperança meia morta,
E de sono nem um pouco…
Caminho de cá para lá
Num vai e vem semilouco
Entre a janela e a porta.
Quatro horas já bateram,
Quatro duras badaladas
Que no peito me assentaram
Como quatro punhaladas.
Mais uma noite de espera,
Horas e horas a fio
Alimentando a ilusão…
Mais uma espera chorada,
Mais uma fronha molhada…
Mais uma angústia se gera
E apenas velhas quimeras,
Na mais cruel das esperas,
Me agitam a solidão!
Um whisky soube-me a pouco
E o sexto já foi demais!
Sentidos descontrolados,
A cabeça mareada…
E a tentação já não tarda
A acasalar o desgosto,
Que esperneia, a contra gosto,
De olhos esbugalhados,
Em contracções imorais.
No escuro, p’ra que não vejam,
Os meus olhos lacrimejam!
Lá fora, no meu jardim,
Morrem rosas e violetas…
E as cortinas do meu quarto,
Feitas de renda de bilros,
Vão bailando com suspiros
Que sobem, dengosamente,
Como sendo borboletas.
Já rasguei o seu retrato
E apaguei a luz da vela
Que alumiava a ansiedade…
Aconcheguei a tristeza,
Entre as rendas da incerteza…
Meti na cama a lembrança,
Mais a dor e mais a esperança,
E embrulhei-me, lentamente,
No edredão da saudade.

Abgalvão (DA)

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