Maria Petronilho






 


Mãe,


De onde te veio esse sorriso
Na precariedade e no sofrimento?
Com que olhares me criavas?
Que de mim esperarias?
De onde a força que levavas
Na vida-breve, tormento?
Como pudeste prosseguir sabendo
Que nada além de maior dor te esperava,
Que nunca me criarias, como dizias,
e eu sabia que sabias?
Tanto lias... mas porque bordavas
E como Penélope tecias infinitas rendas
Por um Ulisses que não merecia as prendas
Dessas mãos imaculadas
Tão finas, de unhas cuidadas,
Mãos de menina que eras,
Que menina findarias?
Olhando o teu olhar estremeço
De orgulho e se me vejo no espelho
No meu olhar vejo o nosso.
Mãe coragem, atravesso
As altas chamas do mundo
E como tu vou cantando
O Fado que, nos calhando,
Na nossa voz reconheço,
E de coragem recobro
No pouco de ti que lembro
Na vida e na morte, sorrindo!
Para minha mãe,

Alice de Jesus Gouveia Petronilho,
1932-1958

Maria Petronilho
11/2/2003
 

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