Maria Petronilho






 


 

poeta Palhaço
Maria Petronilho



Poeta, conto-te um caso
Que conheço bem de perto:
Era uma vez um palhaço
Pobre e roto, caricato
De narizinho redondo
De um carmesim esfolado.

Entrava em cena quando
Nos bastidores do circo
Se maquilhava um outro
Que usava fato bordado
Riso pintado no rosto
Chapéu como o de Tartufo
Cantava em voz de contralto...

O palhaço de que falo
Voava em cada salto
Como se o levasse um sonho
Não se ria no entanto
E ficava sempre mudo.

Quando se achava no escuro,
Ficava vazio o circo,
Encolhia-se num canto
Abria a voz de seu pranto
E sozinho, libertado,
Tirava um papel do bolso
E, com o dedo lambuzado,
No suor do próprio rosto,
Ia escrevendo, escrevendo
Em poemas, seu calvário.

De pobre palhaço risonho,
Enfim assumindo o vulto
Dessoutro sério, tristonho.

Encolhido no seu canto
Descobria enfim o choro
Do ai profundo, seu Fado
Ser poeta alistado
De peito dilacerado...

Esquecendo então ser mudo
Soava o alto carpido
Estremecido, enfim solto.
Mau grado tendo o pano
Da tenda para abafá-lo
Soava tão dolorido
Que alarmava todo o povo
Perturbando-lhe o sono.

Mal o amanhecia o dia
Punha-se a varrer a areia
E ao papel que escrevera,
Usando a tinta da cara,
Em confetes o rasgava
Ia enfim lavar a cara
E de novo, pintalgava
um semblante de alegria.

Tomava assento a plateia
Entrava o palhaço em cena
... No brilho da noite, ria!



Almada, Portugal,
26/11/2003

Todos os direitos reservados à autora